PopComics #4: Fábulas, de Bill Willingham
Em meio a uma onda de adaptações cinematográficas e televisivas moderninhas dos contos de fada, nada como relembrar uma HQ que, já em 2002, adiantava essa tendência, com muito mais propriedade e maturidade que alguns filmes: Fábulas, série mensal que a Vertigo lançou e publica até hoje, criada por Bill Willingham e desenhada por vários artistas, sendo o mais regular Mark Buckingham.
Em Fábulas, Bill Willingham não se contenta em adaptar os contos maravilhosos para o público adulto da Vertigo. A HQ se apropria dos personagens, famosos por vários séculos, para reinventá-los quase que completamente, em meio a um cenário urbano e cheio de intrigas. Na trama, os mundos das fábulas foram invadidos e conquistados por um tirano conhecido somente como o Adversário. Ele levou servidão e morte a estes mundos, forçando inúmeras fábulas a se exilar na nossa dimensão, nosso universo, chamado por eles de "mundano". As fábulas chegaram há mais de 400 anos em nosso mundo, através de portais mágicos, e se estabeleceram em Nova Amsterdam, que mais tarde ficaria conhecida como Nova York, e ali desenvolveram uma comunidade inteira secreta, com governo e leis próprias. Fábulas, a HQ, tem início já no século 21, quando todos aqueles personagens famosos - Branca de Neve, Lobo Mau, Cinderela, Barba Azul, etc. - já estão mais do que adaptados à vida na dimensão mundana. Branca de Neve é a vice-prefeita, chefe do xerife da Cidade das Fábulas, ninguém menos do que o próprio Lobo Mau, chamado pelas fábulas de Bigby. Os dois se veem às voltas com o misterioso desaparecimento da pouco conhecida irmã de Branca, Rosa Vermelha, uma jovem rebelde dada a festas regadas a muito álcool e drogas. O apartamento da moça está repleto de sangue, espalhado por todos os lados, também usado para escrever na parede da sala as palavras "Nunca mais felizes para sempre". Imediatamente, o xerife Bigby identifica alguns suspeitos de serem responsáveis pela provável morte de Rosa: João do Pé de Feijão, Barba Azul e a própria Branca de Neve, cujo relacionamento com a irmã nunca foi dos melhores. Assim, o primeiro arco da série, "Lendas no Exílio", tem início.
Se a princípio o leitor de Fábulas não tem muita noção do que está acontecendo e de como aqueles personagens lendários foram parar na Nova York do século 21, à medida que as edições e os arcos vão passando, mais e mais do universo criado por Bill Willingham vai se desvelando, mostrando o tamanho da imaginação do criador da série, que até o momento parece gigantesco. Willingham utiliza uma linguagem madura e sem meias palavras para abordar temas os mais diversos e atuais: política, guerra, feminismo, racismo e diáspora, entre tantos outros assuntos discutidos na obra. Mas não se engane: há muita ação na narrativa, com batalhas épicas, lutas de espada, e personagens completamente subestimados pela cultura popular que assumem inesperados papéis heroicos nos momentos mais inusitados. Muitas surpresas aguardam os fãs de quadrinhos que se aventurarem por essas páginas.
Fábulas é publicado no Brasil pela Panini Comics, no formato de encadernados que englobam arcos inteiros. No momento, a série está no volume 17, "Herdeiros do Vento". Mas todos (ou quase todos) os encadernados ainda estão disponíveis nas lojas online especializadas, sendo possível ainda encontrar o volume 1, para que se possa mergulhar de cabeça nesse universo fascinante, adulto, e sem concessões. Mas atenção: esqueça tudo o que você sabe sobre os contos de fadas; em Fábulas, essa história de "foram felizes para sempre" é puro mito.
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Em tempo: Fábulas foi o objeto de pesquisa para minha dissertação de mestrado, chamada Quadrinhos e Fábulas: outras leituras, novos leitores. Que deverá ser publicada em forma de artigos e, posteriormente, como livro.
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