Cobra Kai - Sem misericórdia, sequência de Karatê Kid é triunfo narrativo

Quando Cobra Kai foi anunciada como uma série original do YouTube Premium, minha reação foi de descrédito. O programa daria sequência aos acontecimentos da franquia Karatê Kid da década de 1980 com a mesma dupla de antagonistas dos filmes originais, o que pegou todo mundo de surpresa e me fez pensar que esta seria apenas uma tentativa de surfar na onda nostálgica que tomou conta do entretenimento. Cobra Kai, eu pensei, seria apenas mais um caça-níqueis sem qualquer mérito artístico, produzido para arrumar uma grana para os atores decadentes Ralph Macchio e William Zabka, respectivamente os inimigos mortais Daniel LaRusso e Johnny Lawrence.
Eu não poderia estar mais errado. Felizmente, já que Karatê Kid era um dos meus filmes favoritos quando criança, um verdadeiro clássico da Sessão da Tarde; a famosa última cena do primeiro filme, com Daniel-san desferindo o golpe derradeiro em seu adversário, é um marco do cinema dos anos 80. Ainda bem que Cobra Kai não apenas faz jus à sua origem, como deixa toda a história muito melhor, subvertendo todas as nossas expectativas.
42 anos depois de Karatê Kid 2: A Hora da Verdade Continua, as coisas não andam nada boas para Johnny. Desempregado, abandonado pela esposa e desprezado pelo filho, ele passa os dias enchendo a cara e remoendo seu passado. Já Daniel vai muito bem, obrigado. Tem uma rede de concessionárias, um casamento feliz e dois filhos que o amam. Logo no primeiro episódio, entretanto, Johnny e Daniel se reencontram e já de cara a série mostra a que veio: abrir mão de qualquer maniqueísmo e fazer com que o espectador se surpreenda com cada ferramenta narrativa aplicada habilmente em cena. O que quero dizer com isso? Que durante os dez episódios, ora você vai torcer para o Johnny, ora para Daniel; sem falar nos momentos em que você vai só largar os dois e simplesmente entender que eles são só seres humanos, que as coisas não são preto-e-branco e que os tons de cinza têm um grande papel em todas as narrativas. Ou, para colocar os ensinamentos de Jordan B. Peterson, o caos e a ordem se entrelaçam e se equilibram, o caos com um pouco de ordem, e a ordem com um pouco de caos.
Para conversar com a geração atual, a série conta com novos personagens que enriquecem e levam a história adiante sem apenas encher linguiça. Trata-se dos discípulos que os dois antagonistas passam a treinar, Miguel (Xolo Maridueña) e Robby (Tanner Buchanan), cujas histórias são também um reflexo distorcido de quem Johnny e Daniel eram quando jovens. A completa ausência de maniqueísmo em Cobra Kai também se vê no conflito entre Miguel e Robby; você simplesmente conhece os dois bem demais para torcer para só um. É a própria condição humana na tela. Ou, sendo mais específico, a condição do macho. A angústia adolescente de crescer sem ter um modelo masculino a seguir é parte indelével de Cobra Kai, e esta é uma das características marcantes dos personagens jovens: ambos vêm de realidades precárias e violentas, ambos têm virtudes e defeitos latentes, como sementes esperando a terra certa para germinar.
Eu vejo Cobra Kai e lembro da história indígena americana dos dois lobos que há dentro de cada um de nós: um maligno e outro benigno, lutando pelo território da nossa mente. O lobo que nós alimentamos é aquele que vence. Da mesma forma é nesta série incrível: é preciso ver para crer que Cobra Kai é uma das grandes surpresas de 2018.

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