Steve Jobs | Crítica

Retratar o mítico fundador da Apple no cinema não tem sido muito compensador. Piratas do Vale do Silício (1999) e Jobs (2013) foram fracassos monumentais e tampouco funcionavam como obras cinematográficas. Mas quando surgiram as primeiras imagens e trailers de Steve Jobs (EUA, 2015), o terceiro filme a ter como inspiração a vida de um dos grandes gênios da tecnologia e da inovação do nosso tempo, quase todo mundo acreditou na possibilidade de que finalmente teríamos uma produção digna da complexidade e do nome Jobs.
O filme é dirigido por Danny Boyle (Quem Quer Ser um Milionário, Trainspotting) e escrito por Aaron Sorkin (roteirista de A Rede Social e criador da série The Newsroom), e somente com estes nomes por trás das câmeras as pessoas começaram a prestar mais atenção.
As expectativas dos estúdios envolvidos (Sony e Universal) eram altas, mas mesmo com um ótimo filme nas mãos, tendo recebido excelentes críticas, Steve Jobs fracassou nas bilheterias. Com um orçamento de 30 milhões de dólares, arrecadou apenas 17 milhões nos EUA. Como justificativa para os dados negativos, podemos dizer que a estrutura do filme não é lá muito atraente para o público médio, que paga ingresso nos cinemas todas as semanas para se desligar do mundo e obter algum entretenimento.
Mas que estrutura é essa, afinal de contas? Simples, Steve Jobs não conta a história da vida do fundador da Apple. Não é uma cinebiografia típica, do tipo que começa com o protagonista menino ainda, demonstrando suas aptidões para a inovação e termina com uma cena bem emotiva de sua morte. O roteiro de Aaron Sorkin é dividido em 3 atos, cada um deles centrado em momentos em que Jobs apresentou três de suas criações: o Macintosh, o NeXT Cube e o iMac.
Nenhuma cena exibe qualquer uma das apresentações em si, mas sim as horas que antecederam cada um dos eventos, com Jobs (Michael Fassbender) se preparando e, em meio a toda a adrenalina, resolvendo sua vida com os personagens que mais estiveram próximos a ele: Steve Wozniak (Seth Rogen), co-fundador da Apple; Lisa Brennan, sua filha, vivida por 3 atrizes diferentes, conforme acontece a passagem de tempo; John Sculley (Jeff Daniels), o CEO da Apple que ficou famoso por demitir o próprio Jobs da empresa por ele criada; Andy Hertzfeld (Michael Stuhlbarg), o engenheiro-chefe da Apple; e Joanna Hoffman (Kate Winslet), sua diretora de marketing, que é mostrada como o braço direito do chefe-gênio.
Sem nunca endeusar um personagem tão odiado quanto idolatrado, o filme de Danny Boyle mostra um Steve Jobs genial, mas com problemas sérios para se relacionar com quem quer que seja, de sua assistente a sua filha, passando por Wozniak, que foi fundamental na construção do império chamado Apple. Como o estudo de personagem que é, Steve Jobs triunfa. A tentativa de Aaron Sorkin de compreender alguém tão diferente e anormal acaba sendo bem-sucedida, ao menos no estilo do roteirista, conhecido pela verborragia em todos os seus filmes e séries. Cada diálogo parece ter sido esculpido e lapidado como uma pequena obra de arte, uma peça de um quebra-cabeça que nunca é completado, nem mesmo quando sobem os créditos finais.
Michael Fassbender no papel principal acabou sendo uma escolha acertada. Sendo a última opção na lista de atores desejados - Christian Bale faria o papel, quando o filme estava para ser dirigido por David Fincher - o ator alemão nem parece sentir a responsabilidade colocada sobre seus ombros. Seu Steve Jobs exala inspiração e firmeza de opinião, ao mesmo tempo em que parece angustiado por não conseguir ter uma vida particular sadia e um relacionamento verdadeiro com sua filha.
O restante do elenco consegue se destacar quase tanto quanto Fassbender: Kate Winslet faz o contraponto perfeito a Jobs, servindo como uma espécie de pêndulo moral para o chefe e amigo. Sua Joanna Hoffman é um dos melhores papéis de uma carreira brilhante. Seth Rogen, mesmo com pouco tempo em cena, prova que é bom ator dramático; a cena da discussão entre Wozniak e Jobs momentos antes da apresentação do iMac, embora nunca tenha acontecido de verdade, é de uma precisão e uma naturalidade assustadoras. Michael Stuhlbarg faz o perfeito cara legal, que assume a função de pai para Chrisann na ausência de Jobs. Em meio a um elenco tão afiado, somente Jeff Daniels é que parece reprisar seu papel em The Newsroom; nada muito anormal, considerando que tanto a série quanto o filme têm o mesmo roteirista.
Filmando quase sempre em ambientes fechados, o diretor Danny Boyle parece encontrar a redenção para seu protagonista na última cena, que acontece ao ar livre, no teto de um prédio, com um diálogo tocante entre Jobs e Chrisann, sua filha renegada por vários anos.
Steve Jobs não falha com seu público. É corajoso ao mostrar durante quase todo o filme os fracassos experimentados por seu protagonista até a volta por cima com o lançamento do icônico iMac, aquele computador colorido que era o sonho de consumo de todo mundo. Equilibrando o mestre da inovação e símbolo-mor do Vale do Silício com o homem com graves problemas de relacionamento, Steve Jobs é, finalmente, o filme que Steve Jobs merecia.

Steve Jobs (2015) on IMDb

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