12 Anos de Escravidão | Raro filme sobre a escravidão americana é extraordinário
Há histórias que se não fossem notoriamente verdadeiras, ninguém acreditaria. A vida de Solomon Northup está nesse grupo de contos maiores que a ficção. Negro livre em um país dividido pela escravidão, Northup era um violinista casado e com dois filhos, até ser sequestrado por contrabandistas e vendido como escravo para uma fazenda do sul dos Estados Unidos. Por doze longos anos Solomon trabalhou forçadamente, sofreu todo tipo de humilhação, foi chicoteado, obrigado a chicotear, e acabou aprendendo a sobreviver na mais abjeta condição a que um homem pode ser submetido. Depois desse período, acabou encontrando a boa vontade de um branco (Brad Pitt) que denunciou sua situação às autoridades do país e estas, por sua vez, cumpriram a lei e restabeleceram a liberdade de quem nunca deveria tê-la perdido.
Uma vez liberto, Solomon escreveu um livro, denominado "12 anos de escravidão", que foi o começo de sua militância em prol do fim da escravidão em seu país. O livro, uma obra rara e praticamente desconhecida em nossos dias, acabou sendo descoberto por Steve McQueen, que viu na história um relato poderoso sobre um herói anônimo e inspirador. Decidido a transformar o livro em filme, McQueen foi em busca de seu colaborador em um filme anterior, Michael Fassbender (que já estrelara Shame), que levou o roteiro a Brad Pitt. O astro acabaria produzindo o filme com sua empresa, a Plan B, e teria um pequeno - mas decisivo - papel no filme.
Ponto para todos os envolvidos. A saga de Solomon Northup, vivido com maestria por Chiwetel Ejiofor (de Cinturão Vermelho), é contada com propriedade e um alto grau de comprometimento com os fatos, o que faz de 12 Anos de Escravidão o melhor filme do ano. Se Gravidade surpreende nos aspectos técnicos, o filme de Steve McQueen é um triunfo como narrativa.
Não estamos falando de um filme fácil de se ver. 12 Anos é duro, triste, realista e por várias vezes chega a embrulhar o estômago de quem assiste. Só para se ter uma ideia, há uma cena em que Michael Fassbender - um senhor de escravos cuja crueldade não tem parelha nos últimos 20 anos de cinema - estupra uma de suas escravas; logo depois de ouvir o "corta" do diretor, o ator chegou a desmaiar. Isso só mostra em que nível está o realismo da obra. As sequências são cruéis, lamentáveis e nos fazem refletir sobre como a humanidade pôde ser capaz de realizar atos tão desumanos, tão carregados de preconceitos imbecis e falsas interpretações de textos bíblicos.
O elenco está estupendo. Chega a ser embaraçoso elogiar os atores brancos, pois são os que impetram os atos mais cruéis e sombrios, mas a atuação de Fassbender beira a perfeição. E não poderíamos deixar de falar de Ejiofor, um ator que há muito deveria ter sido notado pelo grande público, mas só agora tem seu devido reconhecimento. Seu Solomon Northup é notável, e sua atuação faz de seu protagonista um dos mais importantes em todos os tempos. Igualmente arrebatador é o trabalho de Lupita Nyong'o, indicada ao Oscar como atriz coadjuvante no papel da escrava Patsey, objeto da obsessão de Epps (o senhor de escravos de Fassbender). Toda a sua desolação não poderia ser melhor representada; o desespero de quem considera a morte um alívio para tamanho sofrimento é de cortar o coração.
Se o objetivo do cinema é também o de emocionar e suscitar a reflexão - como é também um dos propósitos da arte - 12 Anos de Escravidão é o veículo perfeito para que a humanidade não se esqueça de que, um dia, houve escravidão no mundo. De que, um dia, o homem submeteu outros homens a humilhações, vergonha, escárnio e desespero. Também por isso, este filme não pode ser ignorado.

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